domingo, 6 de fevereiro de 2011

Esta semana que terminou deverá merecer a nossa atenção. Começa com a história de Jorge Lacão e termina com Cavaco Silva.
O primeiro, vá lá saber-se porquê, atirou com a redução do número de deputados dos actuais 230 para 180.
Diz Lacão que este é o momento para colocar travão no défice de credibilidade do sistema político. Acrescenta ainda que a abstenção nas últimas presidenciais constitui um "sério sinal de alarme quanto ao estado de saúde do nosso sistema representativo".
Ora, no entender de Jorge Lacão podemos melhorar o estado saúde quer pela redução de deputados, quer pela alteração da lei eleitoral quer para a AR quer para as autarquias e ainda pela alteração do estatuto remuneratório dos gestores públicos.
Tenho para mim que tudo isto tem demasiada demagogia à mistura.
Caminhamos agora nesta direcção porquê?! Porque está na moda diabolizar o sistema político  e os próprios custos da democracia?!
Se a isto adicionarmos esta ideia às palavras de um dos candidatos às presidenciais, que disse não dever haver uma segunda volta das eleições porque isso sairia muito caro ao país, então percebe o quanto de demagógico esta questão é.
Claro que não afasto de todo uma alteração da lei eleitoral. Agora dizer que este é o momento ideal?! Tenham dó.
Agora é o momento de agir em prol do país, deixe-mo-nos de discussões estéreis.
Mas mesmo que fosse a altura adequada convém juntar à discussão um outro dado.
O que mina a credibilidade quer dos políticos, quer do sistema está mais dependente de um conjunto de atitudes e de maneiras de agir do que propriamente pelo número de eleitos ou mesmo das leis.
Vejamos três ou quatro exemplos que minam a credibilidade dos políticos e do próprio sistema.
Ferreira do Amaral enquanto ministro negociou os contratos com a Lusoponte. Após sair de ministro acabou por ingressar na administração dessa mesma Lusoponte.
Celeste Cardona acabou como ministra e ingressou na administração da CGD.
Maria Lurdes Rodrigues deixou de ser ministra da Educação e acabou como presidente da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD).
E para terminar só mais um exemplo que vem citado no Expresso deste fim-de-semana.
Agostinho Branquinho foi escolhido em Julho (ainda deputado do PSD) por Isaltino Morais para vogal da direcção da Agência para o Desenvolvimento de Oeiras (AITEC). Este cargo que não é remunerado dá somente direito a uma senha de presença de mil euros por cada reunião. Embora não seja de opinião que deputados possam exercer este tipo de cargos, percebo que nada de estranho até aqui.
Ora, em Outubro o deputado deixou estas funções porque aceitou integrar os quadros da Ongoing no Brasil.
Sair directamente de deputado para uma empresa de comunicação social sem um período de "nojo" já me abala um pouco o sistema. Mas se adicionarmos a estas novas funções a permanência na direcção da tal Agência, já fico completamente "atravessado" e se a tudo isto ainda acrescentarmos que actualmente reside no Brasil, então fico deveras "possesso".
Mais exemplos haveria para dar, mas ficamos por aqui, já que a lista é infindável.
Convenhamos pois que o descrédito não está no número de deputados, nem nas leis.
Actualizando a célebre frase de Julio César: a mulher de César deve estar acima de qualquer suspeita* teremos: à mulher de César não basta ser, terá que parecer.
Estou convicto que este folhetim vai ter ainda muitos episódios, por isso vamos aguardar.


Como disse no início, a semana termina com Cavaco Silva e em dose dupla.
Mas não termina sem antes se assistir à notícia de que António Carrapatoso, chairman da Vodafone, vai liderar os Estados Gerais do PSD, ou seja vai ser reeditado o "Compromisso Portugal"; à continuação do folhetim do apoio aos colégios privados e à crescente revelação de nomes da política envolvidos nesta questão, quer como proprietários, quer como consultores (Expresso de 5 de Fevereiro págs. 20-21) e das declarações de Marques Mendes, ainda ao Expresso, a propósito do lançamento do seu livro.
Entrando agora no terminus propriamente dito importa reter o artigo de opinião de Carlos Blanco de Morais no Expresso.
Estamos perante um artigo nada inocente. Além da deambulação que faz pelos resultados eleitorais (não se vislumbra razão para querer acentuar a legitimidade) e a utilização do exemplo de Clinton em 1996 para falar da pouca participação eleitoral é perfeitamente descabida, já que na eleição de Clinton a participação dos eleitores atingiu os 51% e aqui em Portugal 46,52%, entra em terrenos de observações ao Governo que não se entendem muito bem, ou por outro eu entendo e a maioria dos leitores também entenderia se na assinatura do artigo para além de Professor Universitário figurasse igualmente Consultor para os Assuntos Constitucionais da Presidência da República de Portugal, mas claro isto é só um pequeno pormenor.
Mas não é só Blanco de Morais, Cavaco também dá uma entrevista que merece atenção. É no Correio da Manhã.
Nenhuma destas duas faces da mesma moeda são inocentes. O Presidente num jornal mais popularucho e abrangente, um seu Consultor, num jornal mais à séria, virado para uma outra franja populacional.
Foi o pleno.
O Governo bem pode prepara-se porque o lume já está aceso.

*Sobre a frase de Júlio César aqui fica um pouco de história:
A história conta-se que terá tido lugar no 1 de Maio do ano 62 a.C.
Nesse dia festejava-se a Bona Dea (“a boa deusa”) em casa de Júlio César, recentemente eleito pontifex maximus (sacerdote supremo). Tradicionalmente, o acesso a estas festas estava reservado às mulheres. Pompeia Sula, segunda mulher de Júlio César, era a jovem e bela anfitriã do que era conhecido como uma orgia báquica reservada ao sexo feminino. Nesse ano as festividades acabaram em escândalo: Publius Clodius, jovem nascido em berço de oiro, mas conhecido pela sua insolência e audácia, estando apaixonado por Pompeia, não resistiu. Disfarçou-se de tocadora de lira e introduziu-se em tão reservada celebração. As coisas correram mal a Publius Clodius que acabou por ser descoberto por Aurélia, mãe de César, sem usufruir da bela Pompeia.
O escândalo correu por Roma o que levou César a divorciar-se de Pompeia. Publius Clodius foi acusado de sacrilégio e julgado em tribunal. O povo estava com Clodius e César, chamado a depor como testemunha, disse que nada tinha, nem nada sabia contra o suposto sacrílego. Foi o espanto geral entre os senadores: “Então porque se divorciou da sua mulher?”. A resposta tornou-se famosa: “A mulher de César deve estar acima de qualquer suspeita”.
A mulher de César ficou eternamente sob suspeita. Publius Clodius beneficiou da demagogia de Júlio César e do receio dos senadores de perderem apoio popular.

Sem comentários:

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