quarta-feira, 22 de outubro de 2025

morreu Francisco Pinto Balsemão.
é inegável o legado que deixou em matéria de comunicação social.
a Impresa era a menina bonita dos seus olhos, foi ele que lhe deu vida, que dela tomou conta sempre em prol da liberdade de expressão.
partiu sem ter de ver a tomada do grupo por mãos italianas.

 



termino a escrita de hoje com um excelente artigo de opinião de Pacheco Pereira, publicado no Público de 18 de outubro.
obrigado pela lucidez

A IDENTIDADE PERDIDA DO PS

No centro da crise da esquerda em Portugal está o PS. O PS, mesmo apesar de as suas políticas reais muitas vezes não se distinguirem das da direita, era o grande depositário dos votos à esquerda em Portugal. Juntava-se-lhe o PCP nos seus tempos passados por baixo, e o Bloco por cima. O PS era o partido da governação, e em determinadas circunstâncias agregava a si o PCP e o Bloco, como a fronteira ao voto no PSD, criando uma separação com a direita e, ocasionalmente, com o centro-direita.
Mesmo quando não tinha o PCP e o Bloco ao seu lado, mesmo quando estes o atacavam, o PS era o muro eleitoral que impedia a direita de chegar ao poder ou a limitava no exercício do poder. Mesmo quando perdia eleições, estava lá e era um muro fiável pela sua dimensão. Tinha fissuras e tentações, mas não era possível o descalabro da esquerda sem o PS tombar. E o PS está a cair, eleitoralmente, politicamente e ideologicamente, e arrasta atrás de si o Bloco e o PCP. Apenas o Livre tem resistido.
A vaga de direita não começou agora, mas de algum modo mudou qualitativamente com a aparição do Chega. O Chega é o grande revolucionário do sistema político-partidário e, embora não tenha acabado com o bipartidarismo, enfraqueceu-o na sua utilidade para o partido do Governo, que agora tem sempre duas opções. Este processo é também favorecido pela deslocação à direita do PSD desde os tempos da troika, com o abandono dos últimos sinais da social-democracia da sua génese. Este processo foi agravado pela tentativa de competir com o Chega, adoptando a sua agenda. Os resultados não têm sido brilhantes.
Há hoje vitórias eleitorais do PSD sobre o PS, a mais importante é a que traduz a ocupação do voto urbano pelo PSD. Mas há igualmente vitórias políticas e ideológicas. A vitória táctica mais relevante foi a de interiorizar no PS os argumentos da direita sobre a crise dos socialistas. A ideia de que o PS tem perdido por causa de uma sua putativa radicalização e esquerdização entrou no lugar-comum, mas está longe de ser verdadeira. O PS não se radicalizou, bem pelo contrário, e mesmo o anterior secretário-geral foi o que inverteu o sentido útil da política de imigração, o que não é de somenos.
A chantagem política e ideológica do aparelho comunicacional da direita, cada vez mais forte, passa pelo apoio às claras ou disfarçado a José Luís Carneiro, a António José Seguro e, nas autárquicas, a Ricardo Leão, em Loures, e, pela divisão em Lisboa, a João Ferreira, do PCP. A que se soma uma clara chantagem política sobre o Orçamento e, em linhas gerais, a qualquer entrave que o PS possa colocar às políticas do Governo.
Hoje, a mínima afirmação de qualquer política que pareça vagamente merecer o nome de socialista é imediatamente classificada de “ideológica” versus técnica, e “radical”. E quando se analisa o conteúdo dessas políticas hoje consideradas “radicais”, são políticas que não são mais do que de centro-esquerda ou sociais-democratas, que há alguns anos ninguém classificaria como “radicais”.
A mínima afirmação de qualquer política que pareça vagamente merecer o nome de socialista é imediatamente classificada de 'ideológica' versus técnica, e 'radical'
E o PS, mais por inacção do que por acção, tem-se deixado manietar por este cerco, que inclui o domínio cada vez maior da direita pela capacidade de classificar, nomear, “chamar nomes”. Uma comunicação social, hoje muito dominada pela direita, funciona como megafone para as classificações. O Chega insulta, o PSD e o CDS nomeiam, e o PS passa da afirmação à justificação.
É certo que há um vento de direita nas democracias que o populismo faz soprar mais forte, mas é também verdade que a esquerda tem muita responsabilidade na criação de condições para esse vento, em particular em Portugal. O resto da esquerda abriu também caminho para esta perda de identidade e correlativa fragilização. O Bloco nunca deixou de ser um partido de elite com causas de elite, e o seu abandono da luta social a favor das “causas fracturantes” ajudou a criar um mundo de espectáculo muitas vezes afrontoso ao cidadão comum. O PCP, que tinha na esquerda um quase monopólio da luta social, tornou-se um sindicato médio, preso nas suas metacausas pela posição a favor da rendição da Ucrânia, a que chama “paz”.
A actual crise da esquerda portuguesa não passa apenas pela sua crise de identidade, passa também por uma perda de coragem política, pela sua moleza numa ecologia política muito agressiva à direita. Como os democratas americanos face a Trump, que só agora começam a perceber que o medo e a voz baixa só fortalecem uma política que assume hoje a forma dominante de bullying.
Por tudo isto, ideias, políticas e métodos, a direita domina a governação e a política, o Chega controla a agenda e a “narrativa”, o PS voa tão baixinho que dizer que voa é um exagero, e hoje o consumo da política, fundamental, em democracia mudou-se para locais mal frequentados como as redes sociais. Uma geração está a crescer nesta ecologia e não vai ser grande coisa.
Resistir é o único verbo com dignidade, vai ser duro, leva tempo e faz estragos, mas é a única maneira de travar a ascensão da brutalidade, da ignorância e de uma sociedade de pobres e excluídos, perdidos na sua invisibilidade."



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