sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Como eu previa, aos costumes disse nada, mas mesmo nada. Por muito que pense não sou capaz de perceber a comunicação de ontem de Cavaco Silva.
Mas o facto de não perceber, nem para ela ver razão plausível, fez com que me debruçasse seriamente sobre tudo o que a envolveu directa ou indirectamente.
Vejamos então que:
1.º - será legítimo questionar se a acusação de Manuela Ferreira Leite era o resultado de encomenda;
2.º - preocupa-me que um diploma votado por unanimidade esteja ferido de tanta inconstitucionalidade;
3.º - fico desconcertado ao ouvir o líder da bancada do PCP, Bernardino Soares, dizer que tinha levantado as mesmas dúvidas de Cavaco na especialidade, é uma consonância demasiado estranha;
4.º - dois terços dos portugueses não perceberam patavina da declaração ao país;
5.º - acho deplorável tanto tabu numa questão desta natureza, e pior como é que tanto tabu deu origem à notícia do "Público";
6.º - porquê tanta preocupação com a alegada perda de poderes com o referido estatuto e quando visitou a Madeira o sr. Silva "engoliu" a falta de sessão no Parlamento Madeirense? Porquê esta diferença;
7.º - é bom não esquecer que as eleições são em Outubro.
Após estes sete apontamentos, importa referir que Cavaco deu um tiro não num pé, mas nos dois. Mas este é o verdadeiro Cavaco Silva.
Estou convicto de que a cooperação estratégica entre Belém e S. Bento acabou ontem.

Urgente ler o artigo de Fernanda Câncio hoje no DN. Ele aqui fica.

E por falar em artigos, o de Paulo Gaião merece ser lido e reflectido. Tem por título A Avenida Sócrates, foi publicado no Semanário de hoje e diz assim:

Com a aposta no computador Magalhães, trazendo o navegador de volta a Portugal, e unindo mais o nosso país ao Brasil, através do avião luso-brasileiro, Sócrates não é só o chefe de uma direcção comercial mas também cultural de luxo.
Sócrates está a viver um bom período, a pouco mais de um ano das eleições. O carro eléctrico foi um bom tiro. A falta de autonomia e a pouca velocidade do novo automóvel, já não são da responsabilidade de Sócrates. Só entrando num novo paradigma energético, com um nuclear de uma nova geração, apostando tudo na fusão e colocando os carros e os aviões a atingirem novas velocidades e novas capacidades de autonomia com o nuclear, se dará um passo revolucionário. Mas Sócrates está no bom caninho com o carro eléctrico e não nos admiraríamos se o antigo ministro do Ambiente se tornasse, num futuro não muito distante, no paladino das novas formas de energia nuclear. A bem do progresso e da inovação. É verdade que há muito arte de propaganda em Sócrates e que este governo tem sido useiro e vezeiro em criar "frisson" com algumas medidas de encher o olho que, depois, passado o tempo, não se traduzem em nada. Mas também é verdade que, em algumas matérias e dossiers há dados incontornáveis, objectivos e palpáveis, que já não conseguem alimentar o discurso dos adversários de Sócrates de que tudo não passa de fogo de vista, de propaganda pura. O novo computador português é outro bom exemplo de como Sócrates não tem só boas ideias como consegue leva-las à prática. Não interessa, nesta fase, saber se o computador tem verdadeiras potencialidades comerciais. Terá certamente algumas. Porém, o mais importante, é a definição por parte de Sócrates de que o caminho é este. Portugal tem de ter produtos de marca tecnológicos, de consumo massificado, como o carro, o computador, o avião. Para perder o estigma de estar condenado a exportar sardinhas e cortiça. Em matéria de aviões, o contrato com a Embraer foi outro tiraço de Sócrates. Ter a conceituada empresa brasileira de aeronáutica num investimento expressivo como aquele que está previsto e, para além da construção de componentes, ter a perspectiva de se construir por inteiro um avião comercial em Portugal, parece um sonho visionário que se pode tornar realidade. Muitos dirão que não é nada do outro mundo. Pois é. Também foi fácil partir o casco de um ovo e pô-lo de pé. O facto é que nem Santana Lopes, nem Durão Barroso, nem António Guterres, nem Cavaco Silva, o homem que se sentou à sombra da bananeira com os fundos de Bruxelas, fizeram o que Sócrates está hoje a tentar fazer. Ainda por cima, Sócrates parece aliar uma estratégia comercial a uma estratégia cultural e política, fazendo uma simbiose perfeita. O nome de "Magalhães" para o computador português rompe com anos e anos de esquecimento político em relação a um homem de que Portugal parece ter aberto mão, com velhos preconceitos em relação à traição ao serviço de Espanha e de renúncia à competição pelo património do navegador com o país vizinho. Ora Sócrates parece querer colocar mais ousado navegador do mundo, no mapa português, o homem cujos feitos na passagem do Oceano Atlântico para o Índico, no labirinto do estreito de Magalhães, alimenta hoje a imaginação das crianças norte-americanas através da recriação da aventura nos desenhos da Walt Disney. O caminho é este. Em relação ao Brasil, com o investimento da Embraer em Évora, Sócrates faz mais pelas relações culturais com o país irmão, do que foi feito nos últimos 30 anos. É cada vez mais com o comércio que se pode reunificar o Brasil e Portugal. O caminho é este. Esta quarta-feira, numa entrevista televisiva conjunta de Sócrates e Lula da Silva, o presidente brasileiro, num gesto genuíno, dizia que ficou admirado com a persistência de Sócrates em trazer a Embraer para Portugal. Foi mais um bálsamo para Sócrates, de um homem do Partido Trabalhista, que não tinha necessidade de elogiar desta maneira o primeiro-ministro português que tem fama de ser neo-liberal e governar à direita.
Numa linha de pensamento visionária, não é improvável de ver, num futuro não muito distante, o Brasil e Portugal como uma federação de Estados, a que juntaria a Madeira e os Açores, a meio do Atlântico. Tal como diz Eduardo Lourenço, o Brasil é o grande feito dos portugueses. Sem complexos de superioridade ou cristalização em face das diferenças, os portugueses têm de estar cada vez mais abertos a uma integração com os brasileiros. Sem medo de 10 milhões de portugueses se diluírem em 200 milhões de brasileiros. O facto é que temos uma história comum, uma mesma matriz cultural e a mesma língua portuguesa. Sócrates parece, assim, surfar o futuro, numa onda gigantesca que pode unir os dois lados do Atlântico. Só quem não tem interiorizada marca da lusofonia ou não tenha visitado o Brasil de lés a lés, não se ficando pelos resort do Nordeste, fica indiferente ao que é o Brasil e a esse autêntico milagre de nos sentirmos em casa e falarmos a nossa língua a 15 mil quilómetros de distância (se estivermos na Amazónia) Até nesta questão da língua Sócrates marcou pontos. Depois de longos anos de impasse no acordo ortográfico, documento que ficou refém das adversidades colocadas pelos puristas da língua que não vêem que perante o feito que se fez no Brasil, é Portugal que tem de ser magnânimo e ceder mais, também foi Sócrates quem tomou a responsabilidade de abrir o caminho. É altura de fazer justiça ao primeiro-ministro. O homem que foi perseguido pela intelectualidade portuguesa por só conhecer um obscuro Bergson como escritor e intelectual, o homem que se classificou como animal feroz, ferindo sensibilidade da "intelligentsia", o homem que não é dado a reflexões profundas, está a fazer mais pela defesa da expressão e do pensamento português do que muito escritor, poeta e intelectual político fizeram. Por este andar, Sócrates tem a vitória garantida nas eleições legislativas de 2009. Aliás, começa a ser gritante a incapacidade de Ferreira Leite para fazer frente a Sócrates. A missão de um líder da oposição, mesmo com um quase insuperável José Sócrates é inventar o impossível para se sair bem. Ora, Ferreira Leite só tem dado tiros nos pés, com as criticas aos investimentos do aeroporto (quando não é possível continuar a ter um aeroporto pindérico como o da Portela) e do TGV e as bizarrias de desvio de atenção com o nuclear de Constâncio e a penalização do governo com as inconstitucionalidades apontadas por Cavaco e confirmadas pelo Tribunal Constitucional. Agora, com o computador e o avião português que novo tiro no pé vai dar Ferreira Leite?

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