
Só que o mesmo processo de modernização das estruturas políticas institucionais, que potencia a capacidade de decisão política autónoma do cidadão, tem vindo a introduzir limitações significativas ao poder de o cidadão determinar a escolha pública das orientações colectivas. Esta situação de limitação do exercício de cidadania, e, logicamente, das escolhas, poderá ser inserido nas características de funcionamento relativamente autonomizado do poder político que o modelo de acção do Estado-Providência foi desenvolvendo na sua função de regulação e de implementação de medidas de reorganização das relações sociais e de implementação dos direitos dos cidadãos. Mas o Estado, mais centrado nas exigências técnicas e administrativas e nas respostas às solicitações do imediato e de gestão instrumental acabou por se fechar, distanciando-se dos cidadãos limitando assim as capacidades de iniciativa destes. Se bem que esse fechar-se em si proprio também advém dos constrangimentos resultantes das exigências de estabilidade parlamentar da acção governativa e da gestão do equilíbrio entre os diferentes grupos e sectores de interesses isso não pode traduzir-se na introdução de distância entre o funcionamento do sistema político, o exercício de poder dos cidadãos e os princípios de igualdade de oportunidades.
O problema situa-se sim, nos elementos que no interior do funcionamento da estrutura política institucional condicionam a capacidade do poder político autónomo dos cidadãos, aos quais se juntam os grandes grupos económicos e sociais, o tipo de cultura política e social predominante e as instâncias internacionais.
E porque importa ser justo e não enterrar a cabeça na areia é preciso dizer que um outro elemento de limitação do exercício efectivo da cidadania está relacionado com algumas das características de funcionamento dos partidos políticos e do Parlamento enquanto formas de representação dos cidadãos. Não pretendo denegrir e muito menos desvalorizar o seu papel positivo, antes verifico que muitas vezes esquecem-se que são canais privilegiados da representação dos cidadãos e de formação do espaço público. Algumas características de funcionamento dos partidos políticos, tais como a escolha de candidatos às eleições, o predomínio de clientelas partidárias, políticas e sociais, tanto na escolha como na acção e na reflexão política necessária à governação, bem como a fragilidade dos seus mecanismos de funcionamento democrático, são obstáculos a uma efectiva escolha por parte dos cidadãos que, mesmo assim, demonstram preferências partidárias. A relativa desadequação das ofertas partidárias aos novos problemas da sociedade, a diminuição do interesse suscitado junto dos eleitores e o aumento da taxa de abstenção encontram certamente alguma explicação nas particularidades do funcionamento antes referidas.
A partidarização do parlamento, como um dia salientou Braga da Cruz, é uma consequência relativamente normal no funcionamento dos regimes democráticos, onde os partidos políticos detêm um significativo peso político. É por isso que podemos encontrar os mesmos traços que caracterizam o funcionamento dos partidos na instituição parlamentar.
Villaverde Cabral afirmou que o esvaziamento programático dos maiores partidos políticos portugueses e a consequente ausência de reflexão política acerca dos novos problemas da sociedade traduz-se na tendência para a diminuição do interesse público e no crescente alheamento relativamente às situações de escolha eleitoral. A crescente importância que, nos últimos anos, têm vindo a adquirir os comportamentos de pendor mais individualista e de retraimento para a esfera privada reforça aquela tendência para o desinteresse pela coisa pública. O regular aumento na taxa de abstenção verificado nos actos eleitorais nacionais ou locais é um dos elementos que evidenciam essa situação de desmotivação pelo interesse público.
Para terminar esta reflexão direi que a crise de representação política dos cidadãos não indica que o regime democrático e o funcionamento das instituições políticas não desenvolvam um papel determinante quer na estabilidade governativa, limitando a fragmentação dos interesses partidários e sectoriais, quer na consolidação dos direitos dos cidadãos. O problema está antes na reformulação dos processos que introduzem efeitos disfuncionais no regime democrático e no aperfeiçoamento dos mecanismos de representação política e de exercício do poder político da cidadania, tendo como finalidade diminuir a distância entre as razões da lógica política e institucional e as escolhas públicas dos cidadãos. Os processos de limitação do exercício da cidadania, bem como a diminuição do papel político das instituições de representação dos cidadãos, reforçam a tendência para o autofechamento elitista do funcionamento do sistema político português e induzem problemas de reconhecimento da legitimidade democrática.
Esta é a minha reflexão para o 25 de Abril de 2006.
Eu sei que 74 está muito longe e que o tempo não parou.Mas tambei sei que estamos cada vez mais longe dos parâmetros que nortearam o Movimento.
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