terça-feira, 25 de abril de 2006

Num sistema político constituído na base de um estatuto de igualdade legal e política, o critério de distribuição dos rendimentos move-se das relações de poder do mercado para as estratégias políticas baseadas nas necessidades de integração e de justiça social. Isto, que foi afirmado por Korpi em 1989, não quer dizer que as relações de poder, resultantes da sociedade de mercado, deixem de ter influência sobre as orientações que afectam a colectividade, significa antes, que com o recurso à lógica da cidadania se constrói um determinado equilíbrio político entre as necessidades das relações de mercado e as de maior justiça social.
Só que o mesmo processo de modernização das estruturas políticas institucionais, que potencia a capacidade de decisão política autónoma do cidadão, tem vindo a introduzir limitações significativas ao poder de o cidadão determinar a escolha pública das orientações colectivas. Esta situação de limitação do exercício de cidadania, e, logicamente, das escolhas, poderá ser inserido nas características de funcionamento relativamente autonomizado do poder político que o modelo de acção do Estado-Providência foi desenvolvendo na sua função de regulação e de implementação de medidas de reorganização das relações sociais e de implementação dos direitos dos cidadãos. Mas o Estado, mais centrado nas exigências técnicas e administrativas e nas respostas às solicitações do imediato e de gestão instrumental acabou por se fechar, distanciando-se dos cidadãos limitando assim as capacidades de iniciativa destes. Se bem que esse fechar-se em si proprio também advém dos constrangimentos resultantes das exigências de estabilidade parlamentar da acção governativa e da gestão do equilíbrio entre os diferentes grupos e sectores de interesses isso não pode traduzir-se na introdução de distância entre o funcionamento do sistema político, o exercício de poder dos cidadãos e os princípios de igualdade de oportunidades.
O problema situa-se sim, nos elementos que no interior do funcionamento da estrutura política institucional condicionam a capacidade do poder político autónomo dos cidadãos, aos quais se juntam os grandes grupos económicos e sociais, o tipo de cultura política e social predominante e as instâncias internacionais.
E porque importa ser justo e não enterrar a cabeça na areia é preciso dizer que um outro elemento de limitação do exercício efectivo da cidadania está relacionado com algumas das características de funcionamento dos partidos políticos e do Parlamento enquanto formas de representação dos cidadãos. Não pretendo denegrir e muito menos desvalorizar o seu papel positivo, antes verifico que muitas vezes esquecem-se que são canais privilegiados da representação dos cidadãos e de formação do espaço público. Algumas características de funcionamento dos partidos políticos, tais como a escolha de candidatos às eleições, o predomínio de clientelas partidárias, políticas e sociais, tanto na escolha como na acção e na reflexão política necessária à governação, bem como a fragilidade dos seus mecanismos de funcionamento democrático, são obstáculos a uma efectiva escolha por parte dos cidadãos que, mesmo assim, demonstram preferências partidárias. A relativa desadequação das ofertas partidárias aos novos problemas da sociedade, a diminuição do interesse suscitado junto dos eleitores e o aumento da taxa de abstenção encontram certamente alguma explicação nas particularidades do funcionamento antes referidas.
A partidarização do parlamento, como um dia salientou Braga da Cruz, é uma consequência relativamente normal no funcionamento dos regimes democráticos, onde os partidos políticos detêm um significativo peso político. É por isso que podemos encontrar os mesmos traços que caracterizam o funcionamento dos partidos na instituição parlamentar.
Villaverde Cabral afirmou que o esvaziamento programático dos maiores partidos políticos portugueses e a consequente ausência de reflexão política acerca dos novos problemas da sociedade traduz-se na tendência para a diminuição do interesse público e no crescente alheamento relativamente às situações de escolha eleitoral. A crescente importância que, nos últimos anos, têm vindo a adquirir os comportamentos de pendor mais individualista e de retraimento para a esfera privada reforça aquela tendência para o desinteresse pela coisa pública. O regular aumento na taxa de abstenção verificado nos actos eleitorais nacionais ou locais é um dos elementos que evidenciam essa situação de desmotivação pelo interesse público.
Para terminar esta reflexão direi que a crise de representação política dos cidadãos não indica que o regime democrático e o funcionamento das instituições políticas não desenvolvam um papel determinante quer na estabilidade governativa, limitando a fragmentação dos interesses partidários e sectoriais, quer na consolidação dos direitos dos cidadãos. O problema está antes na reformulação dos processos que introduzem efeitos disfuncionais no regime democrático e no aperfeiçoamento dos mecanismos de representação política e de exercício do poder político da cidadania, tendo como finalidade diminuir a distância entre as razões da lógica política e institucional e as escolhas públicas dos cidadãos. Os processos de limitação do exercício da cidadania, bem como a diminuição do papel político das instituições de representação dos cidadãos, reforçam a tendência para o autofechamento elitista do funcionamento do sistema político português e induzem problemas de reconhecimento da legitimidade democrática.
Esta é a minha reflexão para o 25 de Abril de 2006.
Eu sei que 74 está muito longe e que o tempo não parou.Mas tambei sei que estamos cada vez mais longe dos parâmetros que nortearam o Movimento.

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