terça-feira, 14 de novembro de 2006

Quando a esmola é grande o pobre desconfia, sempre ouvi dizer e é bem verdade.
Vem isto a propósito das declarações proferidas ontem pelo presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Jorge Ortiga.
E digo isto porque quando ouvi ontem que a Igreja Católica é "inequivocamente pela vida, desde a concepção até à morte"; que os bispos defendem a sua posição em relação à interrupção voluntária da gravidez, mesmo que, sublinhou, "nos situem no espaço dos retrógrados em confronto com outros países"; que o ser concebido "não é apêndice da mãe mas antes uma realidade humana autónoma e inviolável" e por isso mesmo "carece de qualquer razoabilidade e sentido falar do 'direito de abortar' por parte da mulher-mãe"; que "não se pode reconhecer ao poder constituído, na sua vertente legislativa, competência para liberalizar ou descriminalizar o que, por natureza, é crime nenhuma lei positiva pode transformar em não-mau ou em bom o que é mau em si mesmo"defendendo ainda que ao Estado, "compete elaborar uma regulamentação legislativa justa e equilibrada que não silencie, não subalternize, nem subestime os direitos dos mais débeis e indefesos". Por último referiu que a Igreja desempenha o papel de "profeta da vida", e alertou para a existência de "uma disseminada cultura da morte" que, disse, atinge indivíduos, grupos e povos, sob a forma de terrorismo organizado, tráfico de seres humanos ou mesmo "a eutanásia e o suicídio assistido de idosos, doentes incuráveis e seres limitados a nível físico ou psíquico".
Foi depois de ouvir tudo isto que me lembrei das palavras do Cardeal Patriarca de Lisboa e que iam no sentido da Igreja não entrar directamente na problemática do aborto, sendo que esse papel caberia aos leigos. Ora das duas uma: ou as declarações do Cardeal foram para amenizar a coisa ou então ele foi ontem completamente desautorizado facto que, convenhamos, não dá uma grande imagem da Igreja portuguesa, sendo que se verifica que a Conferência Episcopal está dominada por uma ala conservadora que nada trará de bom à Igreja.

Ainda a Conferência Episcopal. Para além do aborto foi discutido o problema do emprego, sendo que D. Jorge Ortiga referiu que "o trabalho humano para todos deve ser a chave essencial para uma vida humana digna", tendo considerado ainda que a precariedade do emprego "contraria as aspirações mais profundas das pessoas". E porque pensou que não podia ficar por ali, fez questão de pedir aos responsáveis industriais e políticos que "não devem esquecer as inerentes responsabilidades humanas e sociais".
Sobre isto apraz-me questionar se estas palavras também se dirigem aos responsáveis das empresas da Igreja portuguesa (sim que há empresas em Portugal que são da Igreja) e se os trabalhadores dessas empresas têm condições sociais e monetárias que lhes permitam ter uma vida humana digna?
Para esta situação só me lembro de uma frase: bem prega frei Tomás...

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