sexta-feira, 10 de março de 2006

Conferência Mundial de Educação Artística

Os tempos modernos transformaram o homem num ser insensível e sem memória; retiraram-lhe até a capacidade de se preocupar com essa mesma memória.
O mundo contemporâneo, pós-moderno, é superficial. A imagem assume nele um papel preponderante na vida das pessoas. Como diz o filósofo: "Vivemos no universo da sobreexposição e da obscuridade, saturado de clichês, onde a banalização e a descartabilidade das coisas e imagens foi levada ao extremo"(Nelson Brissac).
Essa modernização cada vez mais acentuada do capitalismo implica destruição de valores concretos. Para se contrapor a isso é preciso revalorizar a tradição. Com efeito, ela selecciona, nomeia, transmite e preserva a memória, o passado. Com a sua ausência não há uma continuidade consciente do tempo, mas a mudança do mundo, do ciclo biológico das criaturas que nele vivem. Hannah Arendt diz que a sua perda se dá pelo esquecimento, talvez por um lapso que acomete os seres vivos. Diz ela que "...a memória (...) é impotente fora de um quadro de referências pré-estabelecido, e somente em raríssimas ocasiões a mente humana é capaz de reter algo inteiramente desconexo (...)". É necessário, por isso mesmo, criar e manter esse quadro, isto é, recuperar a tradição. Isso está intimamente ligado, naturalmente, à preservação da memória. A sua não-conservação e a ausência da tradição levam ao total esquecimento. Portanto, à perda do passado. Sem ele o indivíduo não tem identidade. Ipso facto, torna-se um ser perdido, à procura de um sentido para aquilo que faz. Resumindo: torna-se num autómato.
Dessa forma, concluímos que a preservação da memória é fundamental. Recuperar a memória de um povo é dar sentido e significado à sua existência anterior.
É fundamental que as pessoas sintam a importância da lembrança. É ela, ao lado da tradição, que fará com que aquilo que aconteceu permaneça. Bergson afirmou que não há percepção que não esteja impregnada de algum tipo de lembrança. Grosso modo, poderíamos afirmar que a memória é o lado subjectivo de nosso conhecimento das coisas e do nosso relacionamento com aspectos materiais da vida quotidiana. A percepção e a consciência são importantes para a formação da representação imagética da lembrança. Com efeito, ela é a sobrevivência do passado. Sem lembrança não há memória, nem a possibilidade de a recuperar.
Mas atenção. A maioria das vezes lembrar não é somente reviver. É, sobretudo, refazer, reconstruir, repensar com imagens e representações de hoje as experiências vivenciadas no passado. Memória não é só sonho, é também trabalho. Lembrar é construir uma imagem por materiais que estão, agora, à nossa disposição no conjunto de representações que povoam nossa consciência.
É inquestionável que a preservação da memória é condição indispensável para a existência e continuidade históricas de um povo. Mas é pertinente observar que na sociedade industrial, dominada pela velocidade, o "velho" é menosprezado, é visto com preconceito e considerado muitas vezes inútil.
A cidadania não é tão só fazer valer os direitos e, em sentido amplo, lutar pela melhoria da qualidade de vida. Isso é a parte fácil da questão! De qualquer forma, era um bom sinal que os sectores organizados da sociedade tivessem propostas que contemplassem também a recuperação e a conservação da memória. Mas elas quando existem são vagas e demagógicas.
É absolutamente indispensável e urgente uma política de recuperação, preservação e manutenção do Património Histórico e Cultural, sendo que essa política deverá ser contínua independentemente dos governos!
A memória é a possibilidade de (re)elaboração, de (re)interpretação do passado. Portanto, é essencial para um país recuperá-la e conservá-la. Afinal, o passado é o suporte da identidade de um povo.
Importa lembrar que há um certo unanimismo de que as graves mazelas que afligem o país precisam de ser solucionadas a curto prazo. Eu sei que os problemas económicos são de primeirissíma linha nas preocupações, mas não podemos permitir que essa onda de unanimismo nos faça esquecer a necessidade de uma efectiva política de protecção ao Património Histórico e Cultural. Afinal, é a sobrevivência do passado de um povo que está em jogo e triste do país que não tem memória nem políticos que se preocupem com ela.

É este meu sentir que me obriga a reputar de importantíssima a referida conferência.
É importantíssimo o ensino artístico, e é-o tanto como o ensino científico. Esse ensino artístico tem implícito o rebuscar de tempos idos que será concerteza fundamental para a nossa memória colectiva. E a provar isto mesmo é a profunda alteração que se verificou na UNESCO. Até há pouco tempo as agulhas desta organização estavam viradas para a preservação dos bens materiais, hoje a sua preocupação alargou-se à preservação quer dos bens materiais, quer dos imateriais (língua, tradições, costumes).
Talvez assim estejamos a virar uma página importante na história do homem. Não uma história de vencedores e vencidos, mas a história do homem global que assume os diferentes trilhos percorridos.
Para terminar, deixo aqui uma ideia: as aulas de substituição que tanta celeuma deram e darão certamente, poderiam ser um óptimo espaço para dar a conhecer os nossos bens materiais e imateriais.

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e os rapazinhos querem o 25 de novembro...  pois se me é permitido (e o 25 de Abril deu-me essa liberdade) eu acrescento o 28 de setembro e ...