Assim é muito complicado. A direcção do PSD está a negociar com quase todas distritais nomes para integrar as suas listas aos principais órgãos do partido, numa tentativa de alcançar um consenso em torno do líder, Marques Mendes, no congresso que tem início sexta-feira na Póvoa de Varzim.
Esta tentativa de concordância só reforça a sondagem da Aximage, publicada hoje no "Correio da Manhã", e que cujos dados confrontavam uma descida da intenção de voto nos social-democratas.
O facto de Marques Mendes ter de mendigar favores, porque é disso que se trata, para não ser surpreendido no congresso é atroz para a sua posição de líder.
Sendo que assim, por muitas asneiras que o Governo faça(e tem feito algumas), não se vislumbra uma oposição capaz de lhe fazer frente.
Por outro lado a mesma sondagem diz que 44,3 por cento dos inquiridos considera que o Executivo de José Sócrates está a governar pior do que esperava.
Tendo em conta as medidas impopulares (algumas necessárias, outras nem por isso) que foram tomadas, pode-se dizer que este é um feito histórico, que mais se realça porque o PS continua bem à frente.
Mas este último facto pode ter duas leituras.
A primeira é que os portugueses entenderam que o PS está a fazer o que tinha de ser feito e por isso não o penalizam.
A segunda é de outro âmbito. Como a descida que se verifica é geral para todos os partidos, pode significar o fim do estado de graça da sociedade partidária, sendo que isto é alguma preocupante, porque abre as portas aos pseudo-messias que por aí polulam, sendo que esta é a opção que deverá ser estancada a qualquer custo.
Humberto Delgado, no centenário do seu nascimento. Nasceu a 15 de Maio de 1906 em Boquilobo, Torres Novas. Cedo ingressou na carreira das armas, frequentando o Colégio Militar entre 1917 e 1922 e a Escola do Exército, onde se formou em Artilharia em 1925. Participou no golpe militar de 28 de Maio de 1926 que depôs o regime republicano. Em 1928 optou pela carreira da Aeronáutica obtendo o curso de oficial piloto aviador. Em 1936 conclui o curso de Estado Maior. Em 1942 foi nomeado representante do Ar para as negociações com a Inglaterra para a cedência de bases nos Açores. Devido à eficiência demonstrada, o governo inglês outorgou-lhe a Ordem do Império Britânico (CBE), salientando que arriscara a sua carreira e o seu futuro pela causa dos Aliados e da liberdade.
Em 1944 é nomeado director do Secretariado de Aviação Civil. Em 1945 funda os Transportes Aéreos Portugueses (TAP) e cria as primeiras linhas aéreas de ligação com Angola e Moçambique, a chamada "Linha Imperial", inaugurada em 31 de Dezembro de 1946. Entre 1947 e 1950, foi representante de Portugal na Organização Internacional da Aviação Civil, em Montreal, Canadá. Em 1952 é nomeado adido militar na Embaixada de Portugal em Washington e membro do comité dos representantes militares da NATO. Promovido a general com 47 anos é o mais novo oficial daquela patente. Em 1956 o Governo Americano concedeu-lhe o grau de oficial da Legião de Mérito.
Em 1958, acedendo ao convite da oposição democrática, apresentou-se como candidato independente às eleições presidenciais. O mote da campanha eleitoral foi lançado pela célebre frase "Obviamente demito-o", numa conferência de imprensa no Café Chave D'Ouro em Lisboa , a 10 de Maio de 1958, em resposta a um jornalista da France Press que lhe pergunta qual o destino que daria a Salazar no caso de ganhar as eleições.
A vasta movimentação popular que se seguiu permitiu criar pela primeira vez em três décadas de ditadura uma dinâmica de unidade da oposição contra o regime salazarista. O carisma do "General sem medo" surgiu como um fenómeno inesperado, bem como a erupção de massas no processo eleitoral. O candidato da oposição anunciou o então facto inédito de não desistir da ida às urnas.
O povo do norte de Portugal concentrou-se numa gigantesca manifestação no Porto - a fim de o receber poucos dias após a sua declaração contra o ditador. Esta jornada a 14 de Maio de 1958 reacordou um velha tradição de liberalismo que a ditadura de Salazar não conseguira extinguir após mais de trinta anos de ditadura. Receando que a popularidade de Delgado se espalhasse de Norte a Sul do país, Salazar proibiu a deslocação deste a Braga - um baluarte do catolicismo e berço da revolta militar do 28 de Maio de 1926 que instaurara a ditadura militar. A cidade foi ocupada por cinco mil membros da Legião Portuguesa - medida preventiva de intimidação e de exibição do poder que todavia não impediu vastas concentrações de pessoas pela região aclamando o candidato da democracia.
Apanhadas de surpresa pelo levantamento espontâneo do entusiasmo popular por todo o país, o regime tomou medidas de emergência destinadas a evitar mais demonstrações em Lisboa. Assim, após a chegada de Delgado à estação de Santa Apolónia a 16 de Maio de 1958 as forças da Guarda Nacional Republicana e os agentes da PIDE exerceram repressão sobre a população lisboeta que acorrera em massa para receber Delgado. As notícias dos tumultos e dos ataques das forças para-militares contra a população de Lisboa apareceram na imprensa estrangeira que começou a dedicar mais atenção a Portugal, país habitualmente pacato.
Após os incidentes e tumultos ocorridos no Porto e em Lisboa, a 14 e 16 de Maio, a polícia política (PIDE) aumentou a repressão contra a população que participava espontaneamente na campanha apelidada de "subversiva" pela imprensa controlada. Apesar do mecanismo eleitoral ser manipulado desde o recenseamento, apesar das dificuldades intransponíveis na cópia dos cadernos eleitorais e na distribuição por parte da oposição dos boletins de voto, ainda assim o Estado Novo, temendo um enorme desaire eleitoral, decretou a proibição da fiscalização do escrutínio por parte da oposição. Os números oficiais deram quase 25% dos votos a Humberto Delgado, contra 75% do candidato oficial, Américo Tomás, não sendo possível ainda hoje apurar os resultados reais dada a amplitude da fraude. Com medo de no futuro passar por um outro "golpe constitucional" que representava a possibilidade de a oposição voltar a lançar-se numa campanha eleitoral como a de 1958, Salazar promove, em Agosto de 1959 uma revisão constitucional na qual se suprime o sufrágio directo sendo substituído por sufrágio indirecto proporcionado por um colégio eleitoral de total confiança do Governo.
Após as Eleições de 1958, e impedido de regressar ao cargo de Director Geral da Aviação Civil, Humberto Delgado criou o Movimento Nacional Independente (MNI) que visava manter unidas as forças da oposição que pela primeira vez em trinta e dois anos se uniram no combate à ditadura.
Após um processo disciplinar foi demitido do serviço militar activo com o objectivo duplo de o afastar de contactos com camaradas de armas e de lhe retirar a imunidade contra a intervenção da PIDE. Após uma nota oficiosa que o ameaçava de medidas repressivas e de uma aviso vindo de dentro do regime de que se preparava uma manifestação forjada à frente de sua casa com a intenção de o matar, refugiou-se na Embaixada do Brasil em Lisboa a 12 de Janeiro de 1959.
O Governo português tinha uma longa tradição de recusa do princípio do asilo político, que vinha da Guerra Civil de Espanha e da Segunda Guerra Mundial. Portanto, recusou os argumentos invocados por Humberto Delgado de que a sua vida corria perigo. As negociações diplomáticas duraram três longos meses durantes os quais se previa que a situação de Humberto Delgado perduraria durante anos, à semelhança do que sucedera em países da América Latina. Até que Humberto Delgado partiu para o Rio de Janeiro após as diligências de uma comitiva brasileira liderada por um jornalista do Diário de Notícias do Rio de Janeiro, cidade onde chegou no dia do Tiradentes, 21 de Abril de 1959.
No Brasil, Humberto Delgado teve uma recepção entusiasta por parte de exilados portugueses e emigrantes, bem como de brasileiros simpatizantes que pela primeira vez tiveram noção da verdadeira natureza repressiva do regime de Salazar. Com efeito, a propaganda do Estado Novo conseguira inculcar a imagem do "bom ditador", paternalista e benevolente. Depois do pedido de asilo político de Humberto Delgado essa imagem caíu por terra.
O governo português conseguiu congregar apoios na imprensa brasileira e em certos meios políticos e diplomáticos; a própria PIDE actuava no Brasil com bastante à vontade. No entanto, estas medidas não conseguiram demover grande parte da opinião pública que desde o primeiro momento deu a sua simpatia ao asilado político, que se tornou a face visível da oposição portuguesa no estrangeiro.
Em Novembro de 1959, Humberto Delgado visitou a Grã-Bretanha dirigindo-se a todos os partidos políticos e aos média, provocando o protesto das autoridades portuguesas. Na Holanda, para onde se dirigiu com as mesmas intenções de denúncia contra a repressão em Portugal, foi impedido de falar à chegada àquele país. No entanto, a pressão de partidos políticos contra as medidas do Ministro do Interior Joseph Luns obrigaram a que essa proibição fosse levantada.
Mais tarde, com outro conhecido oposicionista, Henrique Galvão, dissidente do regime que fora condenado a uma pena de 16 anos, mas conseguira escapar, Humberto Delgado assumiu a responsabilidade política pela tomada do luxuoso paquete Santa Maria, em 22 de Janeiro de 1961. Este acontecimento ocupou as primeiras páginas de todos os jornais devido à intervenção do Presidente Kennedy, que contrariamente à opinião de Salazar, o considerou como um protesto político e não um acto de pirataria.
No plano original o navio deveria rumar à capital angolana para coincidir com o levantamento anticolonialista e eventualmente criar um governo livre no exílio. De facto, quando o incidente ainda estava nas manchetes do jornais de todo o mundo e muitos correspondentes estrangeiros convergiam para Luanda, ocorreu o primeiro levantamento nacionalista africano contra as autoridades portuguesas, a 4 de Fevereiro de 1961, data que se tornou o dia nacional angolano, marcando o início da guerra de independência que duraria treze anos.
Humberto Delgado continuou a viajar pela América Latina e começou a planear a estratégia da "acção directa", nomeadamente de um ataque pelas armas contra o regime. Introduzindo-se disfarçado no país, dirigiu-se a Beja na passagem do ano de 1961 a fim de tomar parte no assalto ao quartel daquela cidade alentejana, um dos pontos do plano de levantamento militar. Falhado este plano, Humberto Delgado conseguiu escapar ocultando-se numa localidade próxima, Vila de Frades, na casa de João Franco, militante comunista, de onde fugiu de carro para o Porto, sem nunca ser detectado nas barreiras erguidas pela polícia. Conseguiu sair de Portugal, sem ser apanhado pela PIDE, deixando-se fotografar em Madrid com um exemplar do jornal "YA" nas mãos para provar o local e a data. A poderosa PIDE saíu ridicularizada deste episódio.
Entretanto, convencido que, apesar daquele falhanço, só um golpe militar derrubaria Salazar, abandona o Brasil e após uns meses de tratamento numa clínica do Estado na Checoslováquia, foi para a República da Argélia, recentemente tornada independente, onde o presidente Ben Bella o recebe com honras de Chefe de Estado.
Apesar de ser reconhecido como o Presidente da Frente Patriótica de Libertação Nacional, todos os seus planos de acção armada contra o governo português saíram frustrados, em parte devido às diferenças políticas que dividiam as várias facções de portugueses exilados em Argel. Seria daí que partiria, em Fevereiro de 1965, para a sua última viagem.
A PIDE, que já no Brasil fizera uma tentativa de assassinar Humberto Delgado, infiltrou certos círculos da oposição mantendo uma apertada vigilância sobre todos os movimentos do líder da oposição portuguesa no exílio. Uma intensa campanha de descrédito e de isolamento, alimentada pelos serviços secretos, fomentou, gradualmente, ao longo de um período de cinco anos, a criação de uma rede de informadores que conseguiu obter a confiança do General. Foi assim que ele consentiu no encontro de Badajoz em Fevereiro de 1965. Convencido que se ia reunir com oficiais portugueses interessados em derrubar o regime, Humberto Delgado foi de facto ao encontro da morte. Uma brigada da PIDE chefiada pelo inspector Rosa Casaco atravessou a fronteira utilizando passaportes falsos, a fim de montar a cilada que vitimaria o General e a sua secretária brasileira, Arajaryr Campos.
13 de Fevereiro de 1965 é a data do encontro fatídico, marcado para os Correios de Badajoz, donde aliás enviou quatro postais para quatro amigos em quatro países diferentes e assinados com o nome de sua irmã - Deolinda. O objectivo do envio destes postais correspondia a um código, previamente combinado, que significava: 'estou vivo e não estou preso'. Foi o último sinal de vida e por isso aquela data é considerada a data do seu assassinato que se pressupõe ter ocorrido perto de Olivença.
Durante dois meses de especulações e de mentiras deliberadas da imprensa portuguesa nada se soube de Humberto Delgado. A pedido do Professor Emídio Guerreiro em Paris, a Federação Internacional dos Direitos do Homem enviou a Espanha uma delegação composta por um escocês, um italiano e um francês. Estes foram confrontados com uma muralha de silêncio em Espanha. No entanto, após o seu regresso a Paris, a 24 de Abril de 1965, os membros da delegação puderam ler nos jornais as notícias da descoberta dos dois cadáveres numa campa rasa quase à superfície, perto da aldeia de Villanueva del Fresno, num caminho conhecido por Los Malos Pasos.
Em 1990, dezasseis anos após o 25 de Abril de 1974 que restaurou a democracia em Portugal, o general Humberto Delgado foi postumamente elevado a marechal da Força Aérea e os seus restos mortais trasladados para o Panteão Nacional.
O texto pertence à Fundação Humberto Delgado
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