terça-feira, 17 de janeiro de 2006

Já 11 anos

É verdade, passam hoje 11 anos do falecimento do médico Adolfo Rocha, conhecido no mundo literário pelo pseudónimo de Miguel Torga.
Nasceu em S. Martinho de Anta, concelho de Sabrosa, em 12.8.1907. De seu nome completo Adolfo Correia da Rocha, chamou para si o pseudónimo de Miguel Torga porque "eu sou quem sou. Torga é uma planta transmontana, urze campestre, cor de vinho, com as raízes muito agarradas e duras, metidas entre as rochas. Assim como eu sou duro e tenho raizes em rochas duras, rígidas, Miguel Torga é um nome ibérico, característico da nossa península"...
Feita a 4ª classe com distinção, o pai disse-lhe: "tens de escolher ... aqui não te quero. Por isso resolve: ou o seminário de Lamego ou Brasil".
Daí a pouco o rapaz rumou a Lamego: "ía na frente, de fato preto, montado, a segurar o baú de roupa que levava diante de mim. Meu pai e minha mãe vinham atrás, a pé, ele com os ferros da cama às costas e ela de colchão e cobertores à cabeça", contará mais tarde em A Criação do Mundo. Aí esteve um ano. Chegou a ajudar à missa, durante as férias, com grande enlevo para a mãe. Mas aquele não era o seu destino. O Brasil era a única saída. Partiu em 1920. "Ficou em casa de uma tia que lhe impôs como obrigação, em todos os dias carregar o moinho, mungir as vacas que davam leite para a casa, tratar dos porcos, prender as crias das vacas, curar bicheiros e procurar pelos matagais as porcas e as reses paridas". Um ano depois estava de regresso a Portugal. O tio prontificara-se a fazer dele um médico, custeando-lhe os estudos, em Coimbra. Aos 24 anos estava formado.
Especializou-se em Otorrinolaringologia. Começou por exercer clínica geral na sua aldeia. A experiência foi negativa. Instalou-se em Leiria, de que gostava.
Mas por causa das tipografias, optou por voltar a Coimbra. Depois de uma vida amorosa repartida, pelos sítios, por onde passava, acabou por casar pelo civil com a Prof. universitária (de Coimbra), a belga André Cabrée: "vou tentar ser bom marido, cumpridor. Mas quero que saibas, enquanto é tempo, que em todas as circunstâncias te troco por um verso" (confessará em A Criação do Mundo, V).
Foi sempre um homem, socialmente difícil. Pouco comunicativo, falando com mais convicção do que razão. "Uma das facetas menos atraentes do carácter de Miguel Torga é a sua forretice. Chega a comprar livros com exemplares dos seus. De Leiria a Coimbra viajava sempre em 3ª classe. Foi ao estrangeiro, por diversas vezes, percorrendo boa parte da Europa, aproveitando sempre boleia de dois amigos. Quase não oferece livros a ninguém, recusa dedicatórias e autógrafos, nunca confiou o seus livros a nenhuma editora, preferindo sempre "edições do autor", com pequena tiragem e no papel mais barato possível." (António Freire, Lendo Miguel Torga).
Na Gráfica de Coimbra, onde fazia os seus livros, o seu amigo Pe. Valentim, que oajudava nas tarefas tipográficas, fazia "um preço cristão".
Na clínica usava sempre o mesmo ritual: uma bata branca. Só comprou televisão após o 25 de Abril para ouvir as notícias. Não tinha telefone em casa para não lhe interromperem o trabalho (José C. Vasconcelos, Jornal de Letras, 6-12 de Junho de 1989).
O material que "manda para a tipografia leva vários remendos colados uns sobre os outros. Chegam a ter umas sete e oito colagens. Por causa de uma vírgula é capaz de passar uma noite sem dormir".
Dedicava-se à caça, algumas vezes, nos montes da sua região. Quando ali trabalhava, chegava da caça e dava consulta com a roupa com sangue que trazia dos montes. Era a mãe que lhe chamava a atenção.
Com a entrada para a Universidade, em 1928, deu início à sua obra, publicando dois livros: Ansiedade (que logo esgotou). Somente voltou a ser mencionado na Antologia Poética (1981). Rampa (1930) teve um destino idêntico. Ambos esses livros saíram com nome próprio.
Em 1936 aparece, pela primeira vez com o seu pseudónimo em O outro livro de Job, de que faz apenas edições de 300 exemplares. Desde aí até fins de 1994 escreveu uma obra vasta e marcante, em poesia, prosa, teatro. Alguns dos seus livros, como Bichos tiveram já mais de vinte edições. Deixou 16 volumes dos seus Diários. Muitas obras suas foram traduzidos nas principais línguas de todo o mundo, incluindo em chinês.
Foi muitas vezes apontado como sério candidato ao Prémio Nobel da Literatura. Ganhou o prémio Luís de Camões, no valor de 10 mil contos (1989). Chegou a ser preso pela PIDE. Algumas vezes teve vontade de sair do país: "Mas abandonar a Pátria com um saco às costas? Para poder partir teria de meter no bornal o Marão, o Douro, o Mondego, a luz de Coimbra, a biblioteca e as vogais da língua. Sou um prisioneiro irremediável numa penitenciária de valores tão entranhados na minha fisiologia que, longe deles, seria um cadáver a respirar". Queriam fazer dele um socialista, quando se deu o 25 de Abril de 1974. Nunca se filiou em partido algum: "o meu partido é o mapa de Portugal. Sobre a descolonização escreveria: fomos descobrir o mundo em caravelas e regressámos dele em traineiras. A fanfarronice de uns, a incapacidade de outros e a irresponsabilidade de todos deu este resultado: o fim sem a grandeza de uma grande aventura. Metade de Portugal a ser o remorso da outra metade."
Faleceu em 17 de Janeiro de 1995, tendo sido sepultado na aldeia natal.
Em 1996 foi fundado o Círculo Cultural Miguel Torga, com sede em S. Martinho de Anta.

Bibliografia
Poesia
1928 - Ansiedade.
1930 - Rampa.
1931 - Tributo.
1932 - Abismo.
1936 - O Outro Livro de Job.
1943 - Lamentação.
1944 - Libertação.
1946 - Odes.
1948 - Nihil Sibi.
1950 - Cântico do Homem.
1952 - Alguns Poemas Ibéricos.
1954 - Penas do Purgatório.
1958 - Orfeu Rebelde.
1962 - Câmara Ardente.
1965 - Poemas Ibéricos.

Ficção
1931 - Pão Ázimo.
1931 - Criação do Mundo.
1934 - A Terceira Voz.
1937 - Os Dois Primeiros Dias.
1938 - O Terceiro Dia da Criação do Mundo.
1939 - O Quarto Dia da Criação do Mundo.
1940 - Bichos.
1941 - Contos da Montanha.
1942 - Rua.
1943 - O Senhor Ventura.
1944 - Novos Contos da Montanha.
1945 - Vindima.
1951 - Pedras Lavradas
1974 - O Quinto Dia da Criação do Mundo.
1976 - Fogo Preso.
1981 - O Sexto Dia da Criação do Mundo.

Peças de Teatro
1941 - "Terra Firme" e "Mar".
1947 - Sinfonia.
1949 - O Paraíso.
1950 - Portugal.
1955 - Traço de União.

Prémios
1969 - Prémio do "Diário de Notícias".
1954 - recusa o prémio "Almeida Garrett".

1977 - Prémio Internacional de Poesia.
1981 - Prémio Montaigne.
1989 - Prémio Camões.
1992 - Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores.
1993 - Prémio da Crítica, consagrando a sua obra.

1 comentário:

Anónimo disse...

Minucioso. Bom trabalho sobre alguem que merece a nossa homenagem. Abraço

Cavaco pede para este aquilo que não permitiu para os anteriores... a história fará a justeza de o ignorar quando a morte vence é sinal da ...