quarta-feira, 12 de outubro de 2005

Novas regras, mas...

Ao que parece as regras para apresentar candidaturas independentes às câmaras vão mudar. Da experiência destas eleições resultou quePS e PSD estão dispostos a apertar o crivo e o assunto vai hoje ser levado a plenário pelo socialista Alberto Martins. PS e PSD dizem que a existência de candidaturas independentes às câmaras "é um bem para a democracia" que é para continuar - elas existem desde 2001. Mas os maiores partidos admitem mudar a lei de forma a tornar mais exigentes os critérios de elegibilidade dos grupos de cidadãos.
Realmente estas eleições demonstraram que é preciso fazer alguma coisa relativamente às candidaturas independentes, mas é necessário que o que se vá fazer tenha alguma conta, peso e medida.
Julgo que bastará não permitir que concorram pessoas condenadas, indiciadas ou com acusações pendentes de peculato, corrupção e abuso de poder. E já agora estendam este crivo aos demais detentores de cargos públicos. E digo que bastará, porquanto podem os partidos cair no erro de apertarem demasiado o crivo no sentido de dificultarem ao máximo candidaturas que nasçam fora da sua órbita e isso será perigoso e preocupante, pois a democracia não se esgota nos partidos.
Penso que caberá a nós, cidadãos, vigiar muito bem as propostas que irão aparecer. Esta matéria não pode ser objecto de discussão somente dentro da Assembleia da República, é uma discussão que deve ser alargada a Portugal inteiro.

Ainda as autárquicas
Não resisto a transcrever um artigo publicado no "Correio da Manhã" de hoje e que comprova aquilo que afirmei aqui na segunda-feira (10/10).

Votos em Análise: Independentes ganharam Câmaras Quem ganhou as eleições?
Apesar do carácter eminentemente local das eleições do passado domingo, foi a análise “nacional” dos resultados que mais mobilizou os comentadores das eleições autárquicas, que seguiram, quase sem excepção, atrás da ideia de que o PSD teria ganho as eleições.
É verdade que nestes contextos é muito difícil contrariar esse ‘main stream’, mesmo que se ponha em causa a convicção partilhada, sugerindo que afinal ela não é tão correcta quanto parece. Por vezes, o maior risco de quem aponta o rei e clama que ele vai nu é o de ser ostracizado pela multidão que quer acreditar na sua arreigada convicção.A vitória atribuída ao PSD nas autárquicas é um caso flagrante de um não acontecimento tornado realidade pelo seu eco na Comunicação Social. É claro que o sentimento de vitória se constrói em função das expectativas de quem está no terreno. Esse sentimento exprime-se, sobretudo, ao nível do simbólico, pesando em variados aspectos cujo controlo passa, entre outros, pela expressão dos líderes de opinião. Se, além disto, a ritualização do simbólico inclui o reconhecimento da derrota por parte de uns e a expressão triunfante dos que são assim colocados como vencedores, temos todos os ingredientes necessários para a convicção de derrota do PS e de vitória do PSD nas eleições autárquicas. Contrariar tal convicção é difícil, mas os factos são os factos e, como se diz, ‘contra factos não há argumentos’. Não é fácil comparar a nível global as eleições autárquicas de 2001 com as de 2005. Mas, como prevíramos, abusou-se da ‘leitura’ nacional, concluindo-se que o PSD ganhou as eleições. A nível de presidências de câmaras, o PS perdeu quatro (113 contra 109), o PSD perdeu duas (160/158) e o CDS também (3/1); a CDU ganhou quatro (28/32), tal como os ‘independentes’ (3/7); o BE manteve a única que tinha. Nos votos obtidos, a comparação directa não é possível porque houve mais inscritos e mais votantes (menos abstenção). Quanto às posições relativas dos diversos concorrentes, a verdade é que, comparando 2001 e 2005 e atribuindo ao PSD, PS, CDU e CDS o seu peso proporcional nas coligações em que participaram nesses anos, constata-se que o PSD perdeu 1,4 por cento (39,9 por cento em 2001 e 38,5 por cento em 2005), o CDS perdeu 0,7 por cento (de 4,9 baixou para 4,2 por cento), o PS perdeu 0,4 por cento (de 36,5 para 36,1 por cento) e a CDU passou de 11,2 para onze por cento. O BE subiu de 1,2 para 2,4 por cento e os movimentos de independentes obtiveram 2,5 por cento, contra os 1,4 por cento de há quatro anos. Face à frieza dos números, fica a pergunta principal: quem ganhou e quem perdeu nestas eleições autárquicas? Quem perdeu em câmaras e em percentagem de votos foram o PSD, o PS e o CDS; a CDU ganhou em câmaras, mas não ganhou em percentagem e o BE ganhou em percentagem, mas não mais câmaras. As candidaturas ‘independentes’ foram as únicas que, comparando 2001 e 2005, ganharam em câmaras e em percentagem, mas delas, pela sua própria natureza, não se pode falar em agrupamento político, nem em movimento estruturado.
LEITURA NACIONAL NÃO É CORRECTA
Não é correcto analisar os resultados destas eleições a nível nacional, generalizando o que não é generalizável, já que a expressão local do voto é quem mais dominou a vontade expressa pelos eleitores. Muitos não terão dúvidas em aceitar esta opinião quando se trata de autarquias com um reduzido número de eleitores, onde até aspectos da vida familiar dos candidatos podem determinar quem acaba por ser o eleito. Sobre as maiores autarquias, já se dirá que aí o eleitorado reage de “forma nacional”, premiando ou castigando o Governo ou as oposições. Os resultados em Lisboa, Porto e Sintra desmentem tal ideia: a votação nestes três concelhos está marcada por um aspecto “vincadamente” local/pessoal, que assenta no perfil dos próprios candidatos. Pode existir maior afirmação do aspecto local/pessoal destas eleições que o facto de, por exemplo, numa mesma autarquia, o resultado para a Câmara ser diferente da votação para a Assembleia Municipal (AM)? Em Lisboa a lista liderada por Carrilho teve menos 2767 votos que o PS para a AM (uma diferença de quase 1% dos votantes), no Porto, ao contrário, Assis conseguiu mais 1768 votos (mais 1,3 por cento) que o PS na AM e em Sintra a diferença entre os votos em Soares para a Câmara e no PS para a AM quase não existe, fixando-se apenas 405 votos (0,3 por cento). Quanto ao PSD, comparativamente com as votações para as respectivas AM, Carmona teve menos 1,3 por cento, Rio mais 2,5 por cento e Seara mais 3,5 por cento. Acresce ainda ao reforço do carácter local/pessoal dos resultados os casos de Gondomar, de Felgueiras, de Oeiras ou do Redondo.
Jorge de Sá, director técnico da Aximage


Para descansar

Agora que já descansámos desta balbúrdia e que a realidade nos caiu em cima novamente, gostaria de vos deixar aqui duas sugestões de leitura:
Manuel Castells, A era da informação: economia, sociedade e cultura. Fundação Calouste Gulbenkian. São três volumes preciosos. O I Sociedade em rede, o II O poder da identidade e o III O fim do milénio. Castells é professor de sociologia e planeamento urbano e regional, para além de ser um dos melhores, senão mesmo o melhor especialista em sociologia e esta obra traça uma análise profunda da sociedade em que estamos inseridos. Imprescindível portanto. Se quiserem saber mais sobre este autor vejam http://en.wikipedia.org/wiki/Manuel_Castells (está em inglês, mas há páginas em português).
Vitorino Nemésio, Mau tempo no canal, Bertrand. Esta é uma obra para reler. Um clássico da nossa literatura. Infelizmente o autor foi - indevidamente saliente-se - associado ao período ditatorial do estado novo, logo colocado na prateleira da nossa cultura.
Podem saber mais em http://web.ipn.pt/literatura/nemesio.htm Deixo aqui uma das suas poesias mais conhecidas:


Semântica Electrónica
Ordeno ao ordenador que me ordene o ordenado
Ordeno ao ordenador que me ordenhe o ordenhado
Ordinalmente
Ordenadamente
Ordeiramente.
Mas o desordeiro
Quebrou o ordenador
E eu já não dou ordensco
ordenadas
Seja a quem for.
Então resolvo tomar ordens
Menores, maiores,
E sou ordenado,
Enfim --- o ordenado
Que tentei ordenhar ao ordenador quebrado.
--- Mas --- diz-me a ordenança ---
Você não pode ordenhar uma máquina:
Uma máquina é que pode ordenhar uma vaca.
De mais a mais, você agora é padre,
E fica mal a um padre ordenhar, mesmo uma ovelha
Velhaca, mesmo uma ovelha velha,
Quanto mais uma vaca!
Pois uma máquina é vicária (você é vigário?):
Vaca (em vacância) à vaca.
São ordens...
Eu então, ordinalmente ordeiro, ordenado, ordenhado,
Às ordens da ordenança em ordem unida e dispersa
(Para acabar a conversa
Como aprendi na Infantaria),
Ordenhado chorei meu triste fado.
Mas tristeza ordenhada é nata de alegria:
E chorei leite condensado,
Leite em pó, leite céptico asséptico,
Oh, milagre ordinal de um mundo cibernético!
Vitorino Nemésio

(saudações para um amigo açoriano)

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