segunda-feira, 10 de março de 2008

Ontem foi dia de eleições em Espanha. Os resultados ditaram não só a vitória do PSOE, mas também uma indiscutível bipartidarização do eleitorado.
Por muito que Mariano Rajoy, cante e salte, um facto é indesmentível: Zapatero e o PSOE tiveram mais votos, logo o PP e Mariano foram derrotados.
Mas a derrota não atingiu somente o PP. A Izquierda Unida, foi duramente castigada, bem como todos os partidos extremistas.
Fora do círculo partidário a grande derrotada é a Igreja que fez campanha declaradamente ao lado do PP e contra Zapatero e o PSOE. Talvez que a Igreja compreenda agora qual é o seu lugar. A seguir à Igreja o grande derrotado é Aznar, cujo aparecimento público na campanha ao lado de Rajoy, não conseguiu ser nenhuma mais valia para o PP.

Casa Pia. É necessário e urgente que alguém explique como é que um documento manuscrito de Catalina Pestana, elaborado para uma reunião com o ministro Vieira da Silva chegou às mãos do advogado de Paulo Pedroso.
Mas atenção, a urgência não é para ser resolvida daqui a meses. É uma urgência de dias.

Volto à educação. Sobre a marcha tudo já foi dito. Foi sem dúvida uma grande manifestação. Todo e qualquer aproveitamento que os diversos partidos quiserem fazer desta marcha, vai-lhes sair demasiado caro.
Por outro lado não percebo como é que os professores deixaram que se integrassem na sua manifestação ou indignação como lhe queiram chamar, Bernardino Soares, António Filipe e mais uns quantos que terão as mais respeitáveis profissões, com excepção da de professor.
Não é que mais vinte, mais trinta, cem, mesmo mil, tenham influência na quantidade final. Têm é influência no aproveitamento.
Mas sobre este tema deixo aqui um artigo de Sousa Tavares que reputo de importantíssimo

A rua e o beco, por Miguel Sousa Tavares
Setenta mil professores, segundo a Fenprof, estarão hoje nas ruas de Lisboa a manifestar-se. Querem a morte de todas as reformas ensaiadas nos últimos dois anos por Maria de Lurdes Rodrigues e, obviamente, querem também a cabeça de Maria de Lurdes Rodrigues. Desde que há Ministério, desde que há Educação, desde que há democracia, que não me lembro de a Fenprof e os sindicatos da Educação terem deixado de exigir a cabeça do ministro ou ministra em funções. Começou há muitos anos, quando Sottomayor Cardia se lembrou de fazer uma lei de gestão das escolas e Universidades em que (vejam lá a ironia e o escândalo) os conselhos directivos eram maioritariamente compostos por professores e não por funcionários e alunos. Na altura, gritou-se que o fascismo estava de volta e hoje quase se grita o mesmo, porque a ministra se lembrou de propor a figura de um director para as escolas.

Julgou-se, a certa altura, que o problema poderia estar em os ministros da Educação serem homens, ditando ordens e instruções a um universo essencialmente feminino. Seguindo à letra o discurso feminista oficial de que as mulheres são melhores para a governação porque têm maior capacidade de diálogo, entendimento, etc., e tal, entrou-se na moda dos ministros mulheres, a ver se a coisa acalmava. Não acalmou: o problema não estava aí. E, a menos que se siga a sugestão ditada há dias ironicamente por Maria de Lurdes Rodrigues – experimentar uma loira burra – há que procurar as origens do confronto em outras razões.
Durante muitos anos, e para garantir uma paz podre no sector, todos os governos, incluindo os socialistas, renunciaram a tentar mudar o que quer que fosse. A política de educação estava entregue aos professores e as escolas aos sindicatos. O grosso dos ministros foi do PSD e os sindicatos estavam mãos da facção do PSD dirigida por Manuela Teixeira, e a do PCP e companheiros dirigida pelo crónico Paulo Sucena. Como nada de essencial no «statuo quo» estava em causa, o confronto centrou-se na ineficácia funcional do Ministério. Anos a fio fomos confrontados com o espectáculo confrangedor de ver os dirigentes sindicais deleitados com as dificuldades e problemas crónicos da colocação de professores e os dramas reais dos professores “não efectivos” que viviam coma a casa e a vida às costas, um ano no Algarve outro no Minho. Sem nenhum pudor, tornou-se claro que, quanto pior funcionasse o Ministério e mais problemas viessem para os professores desse mau funcionamento mais felizes andavam os sindicatos. Hoje, são ambos problemas resolvidos e cuja resolução ninguém se lembrou de enaltecer: os professores são colocados a tempo e horas e têm contratos que lhes garantem três anos de permanência no mesmo local.
Essa frente de luta sindical acabou, mas os trinta anos que ela durou deixaram marca. Os sindicatos da Educação tiveram uma contribuição decisiva para sucessivas gerações de alunos prejudicados e para a derrota nacional na frente educativa. Nunca tivemos falta de professores, falta de escolas, falta de dinheiro para a Educação. Gastámos como em nenhum outro sector e, em percentagem do PIB, mais do que a maioria dos países europeus. E tudo isto serviu para nada, para formar gerações de ignorantes, sem préstimo no mercado de trabalho de hoje ou para acumular taxas terceiro-mundistas de abandono escolar. Eu, se fosse professor, estaria, no mínimo incomodado com os resultados. Porque é preciso muita má fé para sustentar que a culpa foi apenas dos ministros da Educação que tivemos - todos, sem excepção, incompetentes.
Nesta altura do campeonato já toda a gente percebeu que o problema não está em Maria de Lurdes Rodrigues, como também não estava no sacrificado ministro da Saúde Correia de Campos. O problema é mais fundo, mais antigo e mais complicado de enfrentar: Portugal é, de há muito, um país mental e estruturalmente corporativo e qualquer reforma que qualquer governo intente esbarra sempre contra uma feroz resistência da corporação atingida. E para que serve uma corporação? Para proteger os medíocres, não os bons. Acontece com os professores, com os médicos, com os magistrados, com os agentes culturais, com os empresários encostados ao Estado.
Certo que aquele labiríntico organigrama da avaliação dos professores parece, à primeira vista, uma obra-prima de burocracia. Certo que a ministra parece demasiado precipitada e intransigente, adepta de fazer primeiro e avaliar depois. Certo que, como tantas vezes sucede, ela parece ter perdido já a paciência para discutir o pormenor, se não lhe concederem o essencial. Mas, no essencial, ela tem razão e todos nós, que não estaremos hoje a desfilar em Lisboa, já o percebemos. Ela quer mudar as coisas, recusa conformar-se com os resultados de trinta anos a nada fazer; a corporação quer que tudo o que é determinante continue na mesma.
Todos percebemos que a gestão das escolas não pode ser tarefa única dos professores, mas de grande da sociedade civil interessada e isto é o que mais atinge uma corporação cuja sobrevivência depende da auto-regulação desresponsabilizadora – vejam como os magistrados ficam logo abespinhados de cada vez que alguém sugere invadir o que chamam a sua sagrada “independência”, que é causa primeira da total falência da justiça. Todos percebemos que um professor que falta às aulas ou vê o seus alunos nada aprenderem e não se preocupa com isso não pode e não deve progredir na carreira e ganhar o mesmo que outro que se preocupa com os seus alunos e com as suas aulas. Todos percebemos que um professor que falta a uma aula pode e deve ser substituído por outro que está na escola, sem aula para dar e dentro do seu horário de trabalho – como sucede todos os dias e com a maior naturalidade cá fora, no mundo “civil”, em qualquer empresa ou qualquer local de trabalho. É isso o essencial.
Infelizmente, Maria de Lurdes Rodrigues não tentou ou não conseguiu cativar para o seu lado e para as suas reformas os bons professores, que seriam os maiores interessados e beneficiários delas. Deixou que ficassem isolados e que, pouco a pouco, fossem arrastados pela onda de “bota-abaixo” da Fenprof. Talvez seja este destino inevitável de qualquer tenativa que se faça de quebrar o poder paralisante das corporações. Talvez haja sempre uma maioria de acomodados que vejam um qualquer mudança um sinal de perigo para a paz podre em que se habituaram a viver. Estas coisas vêm de longe e estão entranhadas: no tempo de Salazar, o grande sonho do português era arranjar emprego para a vida no Estado – o ordenado era garantido assim com a progressão por antiguidade e reforma ao fim de 36 anos; não lhe era exigido nem mérito nem resultados e jamais seria despedido, a menos que ousasse contestar o Governo. Com a democracia, se a fé no Estado e no emprego público se mantiveram, a única coisa que mudou é que as corporações do sector público já podem contestar os governos. Mais: fazem-no sempre que acham que os governos pretendem mudar o Estado, de que eles se julgam os guardiões.
E é por isso mesmo que a queda de Maria de Lurdes Rodrigues teria o efeito de um toque a finados por qualquer tentativa futura de reformar o Estado e mudar o país. Jornal Expresso, 8 de Março de 2008

e para além deste, um outro publicado no CM de hoje.

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o Expresso bem pode querer fazer o favor ao sr. Primeiro Ministro, ao sr ministro da Educação Fernando Araújo e ao seu secretário de Estado ...